Depois de tanto ouvir falar de O Conto da Aia, eu resolvi assistir a série. Confesso que fiquei com um pouco de medo, mas fui nocauteada por uma crítica tão atual, que me surpreendi quando descobri que ela foi escrita na década de 80. Mais de 10 anos antes de eu ter nascido. E precisamos da série homonima da HBO para voltar a obra para os holofortes.
A história do livro se passa “no futuro” e algumas vezes a protagonista Offred diz que não se lembra das datas depois de certo ponto da década de 80. E é nesse período que o regime totalitarista e teocrático de Gillead se instalou por completo nos Estados Unidos e basicamente destruiu as vidas de 90% da população.
O regime consiste em separar todo mundo em grupos e codificar por cores, porque qualquer tipo de expressão ou personalidade foi totalmente proibido. Para então, esses grupos seguirem as novas leis que são baseadas em trechos muito específicos da bíblia.
Os Comandantes usam ternos pretos, esses são os que estão no topo do governo, porém ainda abaixo dos ‘Olhos’, que são espiões infiltrados para observar e reportar qualquer um que infrinja a lei. As Esposas dos Comandantes usam verde. Marthas, que são as empregadas, usam cinza. E as Aias, que posso denominar como “procriadoras”, usam vermelho.
Na pior das hipóteses, isso aconteceu
E essa divisão toda acontece porque há alguns anos a infertilidade se tornou um problema de saúde pública e os homens passaram a culpar as mulheres, já que eram elas quem tomavam pílula do dia seguinte e anticoncepcionais, etc.
A partir daí um grupo de indivíduos se juntaram para fazer a vida das mulheres ainda mais difícil do que já era. Todas elas eram oprimidas e silenciadas. Todas elas sofriam e não tinham um mínimo de poder para mudar coisa alguma.
Tudo que é silenciado, clamará de ser ouvido ainda que silenciosamente.
o conto da aia – margaret atwood
Demora um pouco para você se acostumar com os termos, porque a Offred já está vivendo naquele mundo há anos, então ela não se preocupa em explicar tanto. Outra coisa que preciso ressaltar sobre o estilo narrativo é que, se você gosta de muito diálogo talvez acabe não aproveitando tanto o livro. A obra é narrada quase sempre em pensamento contínuo, sendo poucas, e até raras as vezes em que falas são retratadas em tempo real.
Eu imaginei que isso seria um empecilho durante a minha leitura, mas fiquei feliz ao perceber que a cada página concluída eu precisava ler a próxima. Pelo menos no começo quando é bem leve. Em certo ponto as cenas ficaram tão intensas que tirava pequenos intervalos para digerir os acontecimentos.
Me sentia sufocada, tão claustrofóbica quanto é possível ao ler um livro em um ambiente aberto e se sentir dentro de um elevador parado. O Conto da Aia definitivamente não é para qualquer leitor. Digo isso apesar de achar que ele deve ser lido por todos e ser visto como “um exemplo a não ser seguido”.
Melhor nunca significa melhor para todo mundo, diz ele. Sempre significa pior, para alguns.
o conto da aia – margaret atwood
Uma autora genial
A Margaret Atwood criou uma distopia aterrorizante e atemporal. Já li outras obras da autora, e o tema do silenciamento feminino é um tema recorrente, como pudemos ver em Vulgo Grace.
O final do livro é um tanto peculiar e é muito idêntico, porém ao mesmo tempo bem diferente da série (em relação à primeira temporada). Então eu ainda não consegui me decidir de qual final eu prefiro. Há várias questões que são deixadas abertas para a interpretação, que podem ou não ser exploradas em Testamentos, o sequência da obra.
Já faz algum tempo que li, mas só agora que eu consegui juntar todos os meus pensamentos e opiniões em um texto coerente. E isso é incrível. Ele me fez pensar tanto. Acredito que a Margaret Atwood era uma mulher muito inteligente! A forma como ela faz as Aias serem tão infectadas pelas crenças que lhes são impostas a ponto de começar a gostar e até questionar se não estão melhores dessa forma horrível é de arrepiar.
o conto da aia e o feminismo contemporâneo
Encabeçando as distopias feministas que começaram a se popularizar no Brasil, O Conto da Aia trouxe análises muito pertinentes para a realidade de muitos jovens não politizados.
Há um esforço muito grande de banalizar a bandeira do feminismo, ao mesmo passo em que a comunidade se esforça para garantir direitos e conscientizar cada vez mais a população de questões como equidade, respeito e direitos básicos.
A humanidade é tão adaptável, diria a minha mãe. É verdadeiramente espantoso as coisas com que as pessoas conseguem se habituar, desde que existam algumas compensações.
O conto da aia – margaret atwood
Como minha mãe não faz o estilo leitora, a trouxe para o movimento assistindo a série com ela. Conversando com ela sobre cada um dos episódios. Muitas vezes envolvendo toda a família. É muito importante que tenhamos, na cultura pop, representações viáveis para que alcancemos todas as camadas.
Particularmente, confesso que fico com medo de que um dia os eventos do livro possam realmente vir a acontecer no futuro se não houver uma mudança e um crescimento na população como um todo.
Se você já leu vamos debater sobre o livro nos comentários, ele merece! Se não leu, dê uma chance! Com certeza irá tirar alguma reflexão da história que te deixará em crise existencial por alguns dias. Vale muito a pena.