Depois que O Conto da Aia ganhou meu coração, Margaret Atwood entrou no meu radar de escritoras para ficar de olho em todo e qualquer lançamento. Logo que fui em busca dela, descobri que ela também era a autora de Vulgo Grace (Alias Grace). Cuja minisérie (6 episódios disponíveis na Netflix), tive contato assim que lançou, já que a premissa me cativou.
O livro, a série e uma assassina condenada
Já vou avisando que é impossível para mim não fazer referência à série enquanto escrevo esta resenha. Vou me focar muito no livro, mas acho que é quase impossível dissociar as duas mídias já que tive contato com ambas. Não que isso vá fazer muita diferença, já que a série se manteve muito fiel à obra de origem (apesar de ter tirado algumas cenas, principalmente introdutórias).
Vulgo Grace é baseado em uma história real e nela acompanhamos Grace Marks, uma jovem criada do século XIX que nasceu na Irlanda e mudou para o Canadá ainda pré-adolescente junto com a família, em busca de um recomeço. Já no navio a mãe de Grace falece por alguma doença misteriosa, deixando-a sozinha com os irmãos menores e um pai violento e alcoólatra. A partir daí, tendo que lidar com uma responsabilidade absurda já aos 12 anos de idade, as coisas só pioram. Ela começa a trabalhar como criada aos 13 anos e, aos 16, é condenada a prisão perpétua por assassinar seu patrão e governanta com requintes de crueldade. Ou é isso que lhe dizem, já que ela própria não se lembra do ocorrido.
[citacao fonte=”Vulgo Grace” tamanho=”18″] Sou uma célebre assassina. Ou pelo menos foi o que escreveram. Quando li isso pela primeira vez, fiquei surpresa, porque costumam dizer Cantor Célebre, Espiritualista Célebre e Atriz Célebre, mas o que existe de célebre em assassinato? De qualquer modo, assassina é uma palavra forte para estar associada à sua pessoa. Tem um odor característico, essa palavra, almiscarado e sufocante, como flores mortas em um vaso. [/citacao]
Se você acha que estou te dando spoilers, saiba que isso é apenas a premissa da história. A intenção de Margaret Atwood foi exatamente que nosso primeiro contato com Grace Marks fosse a de uma prisioneira encarcerada a mais de 15 anos e como uma terrível assassina. E, só a partir deste ponto, que passássemos a conhecer sua trajetória.
A expectativa moral da sociedade acerca da mulher
O momento em que iniciamos na obra é quando um jovem psiquiatra é contratador para elaborar um parecer sobre a saúde mental de Grace, tentar recuperar sua memória e saber se ela é realmente culpada. A narrativa não linear segue várias linhas: o presente, o que Grace relata e o que ela omite. Tudo isso misturado com seus desejos e comentários sobre o que a sociedade espera de uma mulher.
[citacao fonte=”Vulgo Grace” tamanho=”18″] Mas não sei por que uma moça de quinze ou dezesseis anos é considerada uma mulher, mas um garoto de quinze ou dezesseis ainda é um menino. [/citacao]
É interessante observar como o psiquiatra não dispõe em nenhum momento julgamentos sobre os relatos de Grace. Ele apenas quer ouvir seu relato da maneira mais honesta possível, contudo, as as amarras morais que a própria Grace tem a impedem de ser completamente espontânea e expressar honestamente suas opiniões e temores.
É uma sutileza incrível a maneira como a autora consegue expressar o poder das amarras sociais impostas às mulheres. Um leitor mais desavisado não notaria, e isso é genial. E não só sobre as mulheres, mas à questões de classe social, já que Grace é pobre e “deve servidão” a seus patrões.
[citacao fonte=”Vulgo Grace” tamanho=”18″] Ele não está brincando. Ele realmente não sabe. Homens como ele não têm que limpar a sujeira que fazem, mas nós temos que limpar nossa própria sujeira e mais as deles. Nesse aspecto, são como crianças, não têm que planejar ou se preocupar com as consequências do que fazem. Mas não é culpa deles, é como foram criados.[/citacao]
Você vai sentir algo te incomodando durante a leitura. E você vai precisar refletir bastante até notar que o que te incomoda é como Grace Marks realmente se esforça para atingir os padrões impostos a ela. Ela genuinamente quer atender o que esperam dela.
Tudo que foi dito com o não dito
Quem já teve contato com as obras da autora sabe que ela tende a um desenvolvimento mais lento. O foco fica muito em coisas que não são ditas, que ficam subentendidas e também no universo dos pensamentos da personagem. Com mais de 500 páginas, eu levei quase que um mês inteiro para finalizar a leitura de Vulgo Grace (o que pra mim, que leio entre 4 e 8 obras ao mês, foi terrível).
Eu precisava sempre pausar, cheguei a ler outras obras no meio do caminho… mas em momento algum eu achei que o que eu estava lendo era ruim.
Muito pelo contrário.
[citacao fonte=”Vulgo Grace” tamanho=”18″] Sempre há uma resposta certa, que é certa porque é a que eles querem, e pode-se ver pelos rostos deles se você acertou ou não. [/citacao]
O que acontece é que é tanta sutileza e tanta informação, que acredito que se você tentar ler uma obra como essa com velocidade, vai deixar muita coisa escapar. Uma vez eu disse que existem livros que não são feitos para serem lidos rapidamente, este é um deles.
O mistério principal, se Grace Marks é realmente alguém que foi condenada injustamente ou uma assassina dissimulada, deixa de ser tão importante ao longo da leitura. Sua história, seus sentimentos, pensamentos e temores te cativam de uma maneira que você apenas passa a querer saber mais e mais sobre sua vida. Se você espera que um juíz bata o martelo sobre o destino da jovem… bom, passe longe desta obra.
[ficharesenha]
Lorraine Santos
Gostei da sua postagem, sempre estou visitando seu blog e lendo suas postagens.. Seu blog está salvo em meus favoritos..
Parabéns!
Amo seu blog ❤️..
Jade Amorim
Lorraine SantosObrigada! Espero te ver sempre por aqui!