A sala que me prende hoje jamais prendera minha alma até o dia em que ela morreu. Seria difícil para eu reviver aquela série de acontecimentos singulares, por isso me eximirei de contá-los em detalhes. O que precisam saber é que ela se foi, e esse é o começo de tudo.
Sempre fui um ser doente e que beirava a catatonia. Vivia enclausurado com meus livros e devaneios. Contemplava o nada por horas. Perdia-me no tempo e no espaço, mas ela sempre foi meu oposto.
No dia de sua morte, eu estava lá. Vi-a sorrindo, como fizera tantas vezes antes. Os lindos dentes brancos à mostra ressaltavam a palidez acinzentada de seu vestido. Nada me dizia seu olhar, apenas sorria com aqueles belos pilares de alvura que me encantavam. Por sabe-se lá quanto tempo, para mim, uma eternidade, ela ficou ali. Parada. Sorrindo. Mostrando-me aquilo que eu não mais queria ver, porque seu corpo já jazia sepultado há horas. Nada podia me causar mais horror que aquele sorriso lúgubre, visceral e zombeteiro da morte. O sorriso de Berenice.
Ela se foi e minha sanidade estava indo com ela. Ou talvez o que estivesse indo embora era a minha insanidade. Aquela realidade me forçava a despertar do meu torpor cotidiano. Da minha rotina de devaneios e loucuras, da perda infindável do meu tempo com absolutamente nada. Todos os seus dentes eram ideias. Ideias das quais eu me privara há muito tempo. Na minha condição doentia, ideias são como pequeno vermes que te consomem aos poucos.
Evitei as ideias, e sumi em minha mente mais uma vez. Trancado nos meus aposentos tentava esquecer aquelas imagens de uma existência passada que agora me causavam terror, agonia e desespero. Memórias deixadas por ela. Recordações atrozes e inteligíveis que eu tentava decodificar em vão. Finalmente a loucura e a sanidade se misturavam em mim. Minha mente sabia mais de mim mesmo que eu jamais saberia.
Batidas na porta me despertaram e um dos criados entrou. Seu pálido aspecto de terror me dizia algo, só não sabia o quê. Falou em sussurros trôpegos e frases curtas coisas que eu não compreendia.
Um grito de horror cortando a noite.
Uma busca na direção do som.
Um túmulo violado.
Um corpo desfigurado em sua mortalha. Um corpo ainda vivo.
Um arrepio me percorreu as entranhas e reparei minhas roupas sujas de lama e sangue. Meus braços tinham marcas de unhas humanas. Segui as pegadas enlameadas pelo aposento e vi uma pá recostada na parede. Fui até ela, mas não pude tocá-la. Tremia. Os passos paravam onde eu estava quando bateram na porta. Na poltrona. Olhei para ela e vi um objeto estranho. Sobre a mesa ao seu lado, ao lado de uma lâmpada que ardia como as marcas de unhas em meus braços, estava uma pequena caixa.
Hesitei em tocá-la. Inconscientemente eu sabia o que estava ali, mas conscientemente me recusava a olhar. Peguei a caixa tomado pelo pavor. Minhas mãos tremiam incontrolavelmente. Cada músculo do meu corpo se retesava. Em um espasmo involuntário de pânico a caixa se soltou da minha mão caindo no chão e se abrindo. De dentro dela saltitaram quicando, trinta e duas minúsculas peças brancas, semelhantes ao marfim, pelo assoalho.
Num grito medonho caí prostrado na poltrona, e lá fiquei, desejando não me erguer nunca mais.
(…)
Acordei aqui. Nesta cama estranha, com essas amarras. As cicatrizes das unhas de Berenice não me deixavam esquecer. Da janela daquele quarto escuro e sombrio, podia ver o passar dos dias, mas tinha a alma atormentada por aquele sorriso. Não fugia mais de mim mesmo. Não conseguia. O que os médicos julgavam catatonia era apenas amargura, culpa e remorso.
Dia após dia aquele sentimento me consumia, como o verme das ideias, se alimentando de cada pedaço interno meu. Cruzei a linha da sanidade, mas voltei. Não devia ter voltado. Seria mais fácil me esconder na loucura.
Noite após noite, sempre depois da meia noite erma e sombria, eu a via. Ficava sempre no mesmo lugar. Parada. Seu corpo era um pálido reflexo do que fora um dia. Aos pés da minha cama, com sua mortalha ensanguentada e seu sorriso sem dentes ela me fitava por toda madrugada. Como um demônio a me lembrar. Não falava nada, apenas me olhava e sorria mostrando as gengivas.
O nascer do sol espantava aquela figura que eu não queria me lembrar e acalmava minha alma atormentada, aquecendo-a de forma cálida e gentil. Mas ao escurecer a cortina arfava em lúgubre surdina invocando meus medos sepulcrais. Ao cair às trevas, sem demora ou incerteza, ela voltava, como que atravessando a janela, e lá ficava a me fitar por toda madrugada.
Nem um ser humano por mais forte que pudesse ser resistiria por muito tempo. Todas as noites eu a via em seu sorriso desfigurado e seu olhar impassível. O que queria Berenice? Minha culpa não era o bastante? Minha alma estava em frangalhos e meu corpo se deteriorava rapidamente, nada mais tinha a oferecer. Por várias vezes tentei falar com ela, mas nunca me respondia, só sorria.
O tormento não me deixava por um único segundo. Ao vislumbrar o ocaso, meu corpo se cobria de espasmos, ali trancado naquele pequeno quarto. Cada sorriso de Berenice era um grito silencioso em minha alma. O terror tomava conta de mim. Não possuía mais nenhuma proteção. Sentia-me nu na escuridão da grande boca desdentada daquela que foi minha amada.
A noite interminável se abateu sobre mim e nem a aurora conseguia por um fim. Meu pranto silencioso não era mais culposo, era doloroso. Derivado de uma dor que só eu era capaz de sentir. Sou incapaz de descrever o horror de ver todas as noites a mesma coisa, de sentir todas as noite o mesmo terror. Berenice era meu algoz e tudo que fazia era sorrir. Não precisava de nada, além disso, para me jogar no mais fundo círculo do inferno.
Perdida a minha noção de tempo, apesar dos raios de sol que cismavam em atravessar a janela, certa vez, e pela última vez, perguntei a ela o que queria de mim. Contudo, mais uma vez, tudo que recebi em troca, foi um sorriso horripilante e ardente, como quem zomba do fato de eu ainda ter os meus dentes.
Uma desmedida se apoderou de meu corpo. Já há algum tempo estava solto, mas usei os grilhões que antes me prendiam para me ajudarem na minha feitoria. Do ferro e do couro das velhas tiras, cravei firmemente na minha gengiva e arranquei um a um os dentes da minha boca. Quando persistiam em ficar, batia a boca contra a guarda da cama até soltá-los. A dor pela minha gengiva cada vez mais deformada não me incomodava.
Berenice me fitava sorrindo a cada dente que via caindo. O sangue se espalhava tingindo o quarto e as pequenas peças de marfim sob o assoalho. Trinta e duas delas espalhadas. Foi então que ouvi pela última vez a doce voz de Berenice ressoar em minha cabeça.
Sorria para mim.
Eis o conto que havia prometido a vocês. Ainda estou sem internet e sem perspectiva de conseguir uma, mas pretendo entrar num computador alheio para responder os comentários. Desculpem a demora, e tudo o mais, mas as coisas estão difíceis ultimamente. Estou de mudança de novo, já tenho prova marcada na faculdade (numa sexta-feira 13, sintam o drama!) e um projeto que me obriga a ler e classificar um livro/jornal de 730 páginas! Enfim, um dia chego lá! rs Próxima postagem provavelmente será uma resenha, porque faz um tempinho que não faço uma e, logo após a segunda parte do conto Pedra Granada.
Não se esqueçam de participar da promoção clicando aqui!
Evelyne
Que siniiiistro.
Mas amei. Me deu saudade de "Crônica de uma morte anunciada", que eu li no início desse ano. Minha mãe me acha louca por causa disso mais amo esses assuntos de morte nos livros/contos/crônicas/cartas/afins.
Em relação as reclamações ao blogger, não achei para onde mandar, bem, eles escondem esse link muito bem, se é que ele existe. :/
Beijos, Evy.
P.S.: Vou já imprimir Pedra Granada pra terminar de ler antes que saia a segunda parte. =P
Anna Sophia
Nossa adoreei bem legal,muito criativo!Beijos =3
http://www.cotidianodeumabarbie.blogspot.com.br/
Lu Rosário
Gosto de contos assim.
Beijos.
E Boa Sorte!
wanessa,
Olá,
nossa que conto!
criativo, escrita ótima, suspense que atrai.
Eu gostei 🙂
beijo!
Lu Rosário
Os Sims e Nãos nem foi bem no sentido que você entendeu, mas vale sua colocação.. foi um ponto de vista pelo qual ainda não havia pensado..rsrs. Muito bom.
Beijos!
Katy°
Nooosa! Que conto Que da medo , sinistro brow ;3 KK,
ta rolando um concurso no meu blog queria muito que participasse, Ficaria Feliz :DDD bjs.
http://blog-allthelovers.blogspot.com.br/
A.Carollyne
Oi flor, obrigada pela visita <3
Aqui é lindo, tem um design organizado e os posts criativos!
Beijos, World-cutest.tk
Thábata Bauer
Uau, deu medo! Amei o blog, flor! Já estou seguindo *-* Beijos e obrigada pela visita!
http://www.thingsofadreamer.blogspot.com
Lola Mantovani
OMG que perfeito, amei amei amei
posta mais contos assim flor
beijos
lolamantovani.tk
Paloma Viricio:: Jornalismo na Alma::
Esse conto é realmente super show!Bem na linha que eu gosto! Ficar sem net é uma coisa…tomara que tudo se arrume ai!
Beijocas!
http://palomaviricio.blogspot.com.br
Ana Chamilete
Você escreve muuuito bem, parabéns! 🙂
Beijos, beijos.
http://deargirlsupdated.blogspot.com
Déborah-alana
Jade adorei o conto, que chato ficar sem net, também tendo provas na faculdade, e ainda farei segunda chamada, hehe, beijinhos amiga :*
@_carlabresa
Que bizarro total esse conto daí, velho. AUEHAUEIH mas nao achei assustador, não.. só achei meio eca! como assim o cara foi la e arrancou os próprios dentes só por que a mulher era banguela? imagina se ele trabalhasse num asilo, né? ja tava banguelo e cazendo coco nas calças KKKKKKKKKKKKKK parei u.u
Que história é essa de 740 paginas pra ler e catalogar? ta fazendo jornalismo ou biblioteconomia? hahahaha
RESPONDENDO SEU COMENTARIO NO MEU BLOG:
Comenta aqui no próximo post, dona Jade!
Faço Com. Social, sim! Com enfase em jornalismo, et vous?
Pois eu me sinto phyna por que já falo inglês e estou estudando espanhol e francês u.u Depois deles dois eu irei para o italiano por que mandarim não encaro nem amarrada de cabeça pra baixo num poste de cebo!!! haahah
AAAAHH OBRIGADA! Estou ansiosa pelo lay. Estava planejando esperar ele chegar pra postar alguma coisa nova, mas com você atolada de trabalho aí, melhor ir atualizando senão meus leitores esquecem de mim, né? haha
Beijos, mulher :*
Sammy
Que conto! Horripilante mesmo, o final foi chocante, e ela ainda falando: Sorria pra mim. A autora é excelente! Adorei, fiquei arrepiada!
Bjs
http://www.daimaginacaoaescrita.com
Camilla Martins - {http://sugar-dance.org}
Wow, esse conto foi muito bem escrito e tem um vocabulário bem rico *-* Sério!
Tem post novinho no meu blog! Bora ir lá ler?
Bjonas e fique com Deus ♥
Camilla Martins – http://sugar-dance.org
Jeniffer Yara
E eu pensando que era um conto de romance D: rs Mas logo vi a tag 'Horror' e comecei a ler. Maravilhoso! Não costumo ler contos/livros de horror, acho que já falei aqui, mas gosto quando encontro um e posso lê-lo. O sorriso de Berenice me fez imaginar todas as cenas descritas e o sentimento do personagem atormentado. O final foi espantoso, mas tinha que ser né *O* Enfim, amei.
Awn Jade, eu tô me dedicando mesmo ao blog, já que por agora não tenho muito o que fazer,rs. Mas isso nem toda hora me traz coisas boas, tipo discussões com a família, por eles não entenderem o tempo que passo me dedicando ao meu blog –' Mas é algo que gosto, e tô amando mais ainda ultimamente.rs
Beijos ><
Jeniffer Yara
P.S: Fui ler o comentário da @_carlabresa e rachei de rir com ela se indignando com o cara que arrancou os dentes por causa da Berenice. HAUSHAUHAUSH
Amanda Cristine
Estou impressionada! Você escreve muito bem, sério. Quando bati o olho no conto, achei que não iria conseguir ler por ele ser grande, mas comecei a ler e mal percebi quando o conto acabou. Eu adorei. Ele ficou tão atormentado que foi capaz de arrancar os próprios dentes. Me-do, rs. Eu adoro contos assim, e esse ficou ótimo. Parabéns.
Ah, tem um meme pra vc lá no blog, mas acho que vai demorar até você responder, não é? rs.
beijos,
the-mandie.blogspot.com
Juliana Bittencourt
Obrigada pela visita lá no blog flor , estou seguindo e quando ao conto não consegui terminar e ler mais salvei e vou ler depois com mais calma.
http://fashiondreams4ever.blogspot.com.br
bjbj
@_carlabresa
Como ja comentei essa postagem, aqui vai só a resposta do seu comentário no meu, ta bom? 😛
HAHAHA.. a Thamy pegou ar!! Pq eu falei que era culpa sua que nao tinha postado. Depois ela vai no seu blog brigar com voce, ta bom? haha
Considero amiguinho, mas nao era tãaaao amigo assim também, nao.. era amigo da igreja, só. Não somos MELHORES amigos, sabe?
Ela já sabia que era só pra cotistas. O que ela nao sabia é que eu nao era cotista, ne? Vai ver tenho cara de pobre (kkkkkkk parei)
É que essa matéria de Clarice Lispector (haha) é uma optativa que eu to pegando em Letras. Ou seja, voce tem razão, é uma matéria de letras e não de journalism. lol
Fotografia pra mim tambem é nesse semestre. O semestre ta dividido em 50% cinema e 50% fotografia. Achei super digno!
Nao sei como consigo tanto homem perfeito, mas isso nao me ajuda em nada, deixa eu dizer. Tds estão longe OU NAO ME ADICIONAM NO FACEBOOK!!!!!! Isso de conviver com gay é normalissimo pra quem cursa jornalismo, ne? Acho que artes cenicas e jornalismo SO TEM ISSO gente! haha Até desacostumei de ver hetero na faculdade (sério) hahahaha
Voce pare de babar pelos meninos da faculdade e pfvr babando pelo seu namorado, ne? ESTOU LEMBRADA QUE A SRTA É COMPROMETIDA!! u.u
Sobre conversar no banheiro: acho que isso foi o suíço me colocando na friendzone, viu? Que menina que vc ta levemente interessado aí vc caga na frente dela? (cagar é uma palavra tao feia, ne) lol
Um beijo, mulher! Volte always.
:: Loma
Hey ^^
Me fez pensar nos contos Stephen King kkkk
Fã que sou do gênero, adorei a escrita e a forma como terminou.
ps: Posso te fazer uma pergunta? qual fonte tu usa para as postagens? é linda.
Xxx espero que volte logo e sorte na faculdade.
:: Loma
Marco de Moraes
Olá!
Sou um novo seguidor do seu blog!
Gostei muito do texto, pois foi muito bem construído a e estória prende!
Quando puder, acesse o meu blog:
http://palavrasproferidas.blogspot.com.br/
Tenha uma ótima semana!
Luara Cardoso
Ótimo texto. Adoro esses contos.
Um beijo,
Luara – Estante Vertical